06 junho 2008

Educação no século 21

Enquanto caminhamos para o desfecho da primeira década do terceiro milênio, raros setores da sociedade mantêm estruturas e conceitos básicos tão parecidos com os de meados do século passado quanto a educação. Na era da tecnologia e da informação, há tempos não somos mais os mesmos, mas ainda aprendemos como os nossos pais - ao menos nas escolas. Sentadas em cadeiras enfileiradas, de frente para o quadro negro, crianças anotam em seus cadernos e ouvem o professor reproduzir histórias tiradas de livros que já saem desatualizados das gráficas. Em um paradoxo com as sensações e oportunidades oferecidas pelo universo multimídia exterior, o entusiasmo dentro da maioria das salas de aula lembra o de um funeral.
O descompasso do sistema educacional diante do ritmo acelerado de transformações em outros setores não é um problema exclusivo do Brasil. Sob o tema Globalização e Educação: rumo a uma Sociedade de Conhecimento, a Associação Mundial de Ciências da Educação discutirá qual a função do saber em uma sociedade de ciclos efêmeros como a nossa durante seu 15° congresso internacional, realizado entre o dia 2 e 6 de junho, em Marrakesh, no Marrocos, com patrocínio da Unesco (Organização das Ações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). “A escola está alheia aos problemas ambientais e sociais que o mundo enfrenta em nossos dias, a ideologia não é vinculada a prática”, afirma Ivani Fazenda, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Interdisciplinaridade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e representante brasileira do congresso. “Na escola de hoje as crianças não têm desejo e os desejos dos professores não são respeitados. Anular isso é acabar com a possibilidade de mudança da cultura de uma sociedade”.
A preocupação com o abismo social do País faz com que os educadores defendam a revisão do papel da escola e a conseqüente atualização dos métodos educacionais como única maneira de evitar que uma grande parcela das crianças comprometa seu desenvolvimento pessoal. “Caso contrário, haverá uma exclusão ainda maior dos menos favorecidos, pois a escola pública não acompanha o cotidiano”, diz Regina de Assis, ex-secretária municipal da Educação do Rio de Janeiro e atual presidente da MultiRio, produtora de mídias ligada à secretaria. Para ela, a escola deve ser o lugar de diálogo de gerações diversas e desiguais, que buscam a constituição de conhecimento e valores indispensáveis ao bem-estar comum. “Se o mercado se sobrepuser à vida cidadã, continuaremos a viver num país que concentra três quartos de sua riqueza nas mãos de 10% da população”, conclui.
“Nós acreditamos no ensino individualizado: toda criança é única e especial e tem sua forma de absorver conhecimento”, afirma Daniel Lopes, diretor da Brasília International School, escola que atende a comunidade internacional que vive na capital federal. “Preparamos nossos alunos para serem cidadãos globais e causarem um impacto positivo no mundo em que vivem. Enfatizamos que, apesar das diferenças eles têm que trabalhar juntos. As crianças entendem e percebem como se encaixam nessa diversidade. E diversidade gera riqueza e sucesso”.
A guinada da educação para entrar em sintonia com o século 21 passa necessariamente pela atualização do corpo de professores e diretores das escolas, pelo investimento total e correto dos orçamentos públicos e pela reformulação e flexibilidade da grade com uma revisão radical dos valores e habilidades ensinados. É preciso balancear o conhecimento básico histórico das disciplinas com exercícios que proponham soluções para nossos problemas atuais e futuros. Ou seja: é muito mais importante estar a par dos problemas ambientais envolvendo a Amazônia - e conceber propostas para eles a partir de uma síntese interdisciplinar - do que saber de cor e salteado o nome de todos os afluentes do rio Amazonas. É da fusão do conhecimento de duas ou mais matérias que surgem as inovações tecnológicas e soluções para os conflitos cotidianos.
Na vanguarda das mudanças, algumas escolas públicas do Brasil já aplicam a nova ordem educacional. Em São Mateus, bairro da periferia de São Paulo sem sequer saneamento básico, a Escola Estadual Jardim Iguatemi é a principal referência para as crianças e a comunidade. No início do ano letivo, um assunto universal é eleito para permear todas as atividades. Em 2002, quando o projeto foi lançado sob o tema “Arte”, as classes receberam nomes de grandes pintores. “Como eles nunca saem do entorno do bairro, essas intervenções fazem com que deixem de lado a realidade de escassez em que vivem e fiquem mais próximos do mundo”, afirma Suzy Ribeiro, diretora da escola. “Há seis anos, apenas 20 dos 400 alunos aptos prestaram vestibular. Em 2007, foram 200. Entre as meninas, em 2002 foram pedidas 48 licenças de adolescentes gestantes; no ano passado, tivemos apenas duas”.
No Rio de Janeiro, o projeto Carta Animada Pela Paz dá aos alunos da rede municipal a oportunidade de aprender a fazer animações com os profissionais da MultiRio. Regina de Assiz diz que utilização de novas linguagens é fundamental para chacoalhar a monotonia que impera nas salas de aula. Para a educadora, a humanidade está ligada por uma mega rede de informação que não pode ser excluída do ensino. “É importante que as linguagens múltiplas, como a tevê e a internet, sejam aproveitadas. Mas vale ressaltar que essa nova era de informação não se desfaz dos professores e dos livros. Pelo contrário: o professor tem que ser um grande provocador do conhecimento”, afirma. “A escola tem que ser do tamanho do mundo, e não das suas paredes”.

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